por Rafael Tahan

Este espaço é reservado para criação literária e leva o título de lavradouro, caixa baixa: neologismo cuja arquitetura, pensada pelo poeta Jaci Bezerra (1968, Murici AL), concentra dois vetores semânticos frequentemente associados à poesia. 1: lavra: lavrar, lavoura, lavrador & suas adjacências: trabalho manual, feitura: poíēsis (ποίησις); 2: d'ouro, corruptela para de ouro, termo cujo eco remonta o passado glorioso do mito (l'âge d'or): e seu antigo ideal : a perenidade: exegi monumentum. Tensionando ofício e permanência fissuramos o significante (núcleo duro do vocábulo); uma vez atomizada, a palavra converte-se em valise: do lastro semântico vemos surgir a ruína semiótica; se por um lado negamos a sua permanência, por outro revelamos a possibilidade: menos um pilar, mais um tijolo.
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por Rafael Tahan

Este espaço é reservado para criação literária e leva o título de lavradouro, caixa baixa: neologismo cuja arquitetura, pensada pelo poeta Jaci Bezerra (1968, Murici AL), concentra dois vetores semânticos frequentemente associados à poesia. 1: lavra: lavrar, lavoura, lavrador & suas adjacências: trabalho manual, feitura: poíēsis (ποίησις); 2: d'ouro, corruptela para de ouro, termo cujo eco remonta o passado glorioso do mito (l'âge d'or): e seu antigo ideal : a perenidade: exegi monumentum. Tensionando ofício e permanência fissuramos o significante (núcleo duro do vocábulo); uma vez atomizada, a palavra converte-se em valise: do lastro semântico vemos surgir a ruína semiótica; se por um lado negamos a sua permanência, por outro revelamos a possibilidade: menos um pilar, mais um tijolo.
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EM TEMPOS ESCUSOS
guardar palavras, bricolagem,
preenchê-las com estopa e tinta
preta.
guardar palavras, amansá-las,
aparando as arestas vez ou outra.
guardar palavras, passarinho,
maltratá-las na gaiola do poema.
guardar palavras, burilá-las,
retorcendo o pescoço da
eloquência.
guardar palavras, mise-en-scène,
enquadrá-las num pouquinho de
alegria.
guardar palavras, resguardá-las
de seu próprio veneno (exegese).
guardar palavras, data vênia,
ensejá-las formas nulas de
altruísmo.
guardar palavras, resgatá-las
da errância de qualquer conversa
fora.
guardar palavras, madrepérola,
retirá-las da sarjeta dessa
língua.
guardar palavras, desdenhá-las,
ocultá-las em garranchos e
grunhidos.
guardar palavras, grão de bico,
aceitá-las em sua falsa natureza.
guardar palavras, dissolvê-las
como drops, na saliva, céu da
boca.
guardar palavras, interstício,
simulando tenazmente uma careta.
guardar palavras, enterrá-las,
calcinando as cabais provas do
crime.
guardar palavras, abstêmio,
desligá-las de sua condição
humana.
e sabendo tudo o quanto foi
renúncia,
decantada a água turva desse
brejo,
guardar
palavras
–
leia-se – até perdê-las.
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Renan Nuernberger (1986) é doutorando em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo. Como poeta, publicou Mesmo poemas (Sebastião Grifo, 2010) e Luto (Patuá, 2017), ambos com apoio do ProAC da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Como crítico, foi responsável pela antologia Armando Freitas Filho (EdUERJ, 2011) para a coleção Ciranda da Poesia e organizou, em parceria com Viviana Bosi, a reunião de ensaios intitulada Neste instante: novos olhares sobre a poesia brasileira dos anos 1970 (Humanitas, 2018)
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