por Rafael Tahan
Este espaço é reservado para criação literária e leva o título de lavradouro, caixa baixa: neologismo cuja arquitetura, pensada pelo poeta Jaci Bezerra (1968, Murici AL), concentra dois vetores semânticos frequentemente associados à poesia. 1: lavra: lavrar, lavoura, lavrador & suas adjacências: trabalho manual, feitura: poíēsis (ποίησις); 2: d'ouro, corruptela para de ouro, termo cujo eco remonta o passado glorioso do mito (l'âge d'or): e seu antigo ideal : a perenidade: exegi monumentum. Tensionando ofício e permanência fissuramos o significante (núcleo duro do vocábulo); uma vez atomizada, a palavra converte-se em valise: do lastro semântico vemos surgir a ruína semiótica; se por um lado negamos a sua permanência, por outro revelamos a possibilidade: menos um pilar, mais um tijolo.
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quatro grupos vizinhos de lindas ilhas virginais, reunidas
em arquipélago gregário, desenham este coliseu relegado
a léguas além do continente, módulo duma ilíada meridional;
veleiros trafegam a passeio, entregando alienígenas,
ilustres turistas do istmo ou eventuais criaturas
visitadoras de uma delas em quaisquer das outras sólidas
ilhotas; távolas avistadas n’água, contra o horizonte
retilíneo, muito antes do último tsunami : no refluxo
do pacífico sul ou nos limites do extremo menos terreno
do arco caribenho; a ortodoxia as criou fixas na geografia,
tranquilas ilhas anfíbias ligadas ao velho mapa inalterado
do mundo : cada escama um bloco ligado ao globo ( são cimos
de montanhas naufragando; o azul as exulta : o conjunto flutua )
enquanto o mar lhe açoita as franjas, nunca as enxuga,
ao contrário, debruça tufões, nuvens de chuva,
durante a estação enfurecida; aves migratórias
ao contrário, debruça tufões, nuvens de chuva,
durante a estação enfurecida; aves migratórias
esperarão a hora de (re)pousar, passado o amplo temporal,
nessa arena serena, provisória morada contra o sal
nessa arena serena, provisória morada contra o sal
o barco na garrafa
que vento, tormenta, qual
embargo causado pelo caos
atravessou o aço deste barco?
qual a história de seu rapto,
de sua carcaça aprisionada
ao arrecife, pelo casco?
terá afundado em álcool
─ em rum, a nau afogada ─,
no premente e estrepitoso
jorro da única talagada?
terá sido enfeitiçado
o capitão embriagado
pelo canto da sereia
ou pela água envenenada?
pois saibam, sujos marujos,
que até assim se naufraga,
e
onde esperaríamos o gênio
realizando desejos, resta a
miniatura delicada da fragata
prensada através do gargalo,
presa ao interior da garrafa;
haverá outra escolha (
brinquedo
camuflando o medo ─ mero modelo
)
senão estilhaçá-la ao peso
do arremesso ( pequena parcela
do mar ou a própria alma
sequestrada ) a singela peça
do artesanato naval,
minuciosamente
trabalhada ou frágil granada
lançada contra a parede da
sala?
ínsula
na névoa
cercada pela tempestade que ameaça
sua secreta falésia de pétalas
toda e qualquer ilha, o mesmo símbolo
em todo ímpeto que habita, o mesmo nível
em todo mar que ataca a pedra:
a mesma meta
correnteza perpétua
se há algo que a ilha renega e é eterno
( refundando o deslimite )
é esta névoa
que atraiçoa seu único insulano,
um passo em falso :
entregue à queda
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Alexandre Guarnieri (carioca de 1974) é poeta e arte-educador/ historiador da arte (UERJ). Como arte-educador, integrou programas educativos do CCBB, Oi Futuro e MAM, entre outros. Como poeta, integra desde 2012 o corpo editorial da revista eletrônica Mallarmargens. Lançou Casa das Máquinas (2011), Corpo de Festim (2014) - primeiro lugar na categoria poesia no 57o Prêmio Jabuti -, e Gravidade Zero (2016).
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