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Salvador no início do século XVIII. Ilustração de A. F. Frezier |
por Lêda Sousa Bastos,
Mestra em Memória: Linguagem e Sociedade
pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)
Tecer essa breve apresentação
sobre a Academia Brasílica dos Esquecidos me parece um pouco desafiadora,
diga-se de passagem, pois me vem o receio de ser simplória e, ao mesmo tempo, confusa.
Creio que isso acontece, pois caímos no costume de escrever nos moldes
acadêmicos, e ficamos receosos de não contemplar a proposta. Proposta esta que
consiste em fazer uma exposição de um assunto que diz respeito à produção
literária academicista, muito embora seja ainda um tanto desconhecida para
muitos.
Antes de iniciar essa
apresentação, gostaria de situar ou relembrar o leitor acerca do recorte
temporal, bem como do contexto histórico e econômico, em questão, a fim de
compreender como foi desenvolvida a produção literária, no tocante ao Movimento
Academicista desenvolvido na Bahia, uma vez que essa produção recebe grandes
influências do contexto em que estava inserida. Então, iniciemos a
apresentação.
Como se sabe, entre meados do
século XVI a meados do XVIII, a Bahia era sede da governança da colônia
portuguesa, onde se concentravam grandes atividades políticas, econômicas e
culturais. Nesse período, sobretudo nos séculos XVII e XVIII, a Bahia foi um
importante núcleo da produção açucareira do Brasil e, portanto, um dos centros
em que se acumulavam riquezas na América Portuguesa. Sendo assim, pôde ficar
conhecida como a “cabeça da colônia portuguesa” (BOXXER, 2000).
Pela riqueza gerada com a
comercialização do açúcar e de seus subprodutos, pode-se ter uma ideia dos
ganhos para os comerciantes reinóis, que detinham com a Coroa o monopólio da
circulação atlântica desses produtos, assim como para as elites coloniais, que
os produziam. Além da produção do açúcar, no final do século XVII, a exploração
aurífera ganhou grande espaço em Minas Gerais, porém Salvador não sofreu tanto
os impactos da crise na economia açucareira.
Ao principiar o século XVIII, houve
um interesse de se conhecer e de se tecer de forma mais sistemática a história
do Brasil, como o demonstram as atividades acadêmicas, surgidas na Bahia ao
começo da terceira década dos Setecentos. Além disso, o movimento acadêmico
americano tem de ser vinculado à história da fundação de academias em Portugal,
como a Academia Real da História Portuguesa, devendo-se compreender o movimento
do vice-rei do Estado do Brasil, Vasco Fernandes César de Meneses, conde de
Sabugosa, como uma atitude análoga àquela que movera o rei e os grandes do
Reino ao patronato das Letras.
A Academia Brasílica dos
Esquecidos foi erigida em 1724, na Bahia, com o intuito de reunir informações
sobre a Nova Lusitânia, a fim de se compilar dados para serem enviados à Corte
com vistas a redigir a história do Brasil, que se anexaria à monumental
História de Portugal que já estava sendo redigida pela Academia Real. Essa
tarefa foi encarregada ao vice-rei Vasco Fernandes César de Meneses a partir da
determinação do rei de Portugal, D. João V, uma vez que era difícil redigir a
história brasílica sem uma prévia recolha e organização de informações. Foi
após uma troca de correspondência com a Corte que o vice-rei do Brasil resolveu
instituir uma academia brasílica, pois seria a melhor maneira para se reunir
informações. Assim sendo, “ele reuniu primeiramente sete ilustres membros da
sociedade baiana e fundou no dia 23 de abril de 1724, em seu Palácio, a
Academia Brasílica dos Esquecidos” (PEDROSA, 2003, p. 22). Ademais, essa
agremiação floresceu por um período muito curto, mas foi onde “os quarenta e
quatro membros trocaram efusões poéticas, discursos laudatórios e dissertações
sobre temas históricos, tal como faziam as academias literárias semelhantes,
que surgiam e desapareciam em Portugal” (BOXXER, 2000, p. 180-181).
Pedrosa (cf. 2003, p. 22-23) ainda
informa que esses homens ilustres, que eram membros da Academia, eram pessoas
ligadas ao Estado, à administração pública ou ligados à Igreja. Desse modo, não
se encontravam na Academia Brasílica dos Esquecidos comerciantes, proprietários
de terra ou artesãos. Esse mesmo estudioso ainda acrescenta a possível razão
para a Academia ter recebido o nome de “Academia dos Esquecidos”:
A
autodenominação de esquecidos provavelmente provém do fato de que nenhum
letrado colonial fora chamado para compor os quadros da Academia de História
Portuguesa. Os acadêmicos se consideravam abandonados pela metrópole,
consideravam que seus talentos intelectuais deveriam receber uma maior atenção
da Corte [...] (PEDROSA, 2003, p. 22).
José Aderaldo Castello (1969),
em O Movimento Academicista no Brasil –
1641-1820/22, afirma que o título de esquecidos dado à Academia lhe foi
conferido pelos acadêmicos para lhe atribuir um sentido memorável, ou seja,
contrário ao que está em seu significado:
E que inventaram os nossos Acadêmicos
para eternizar o seu nome? trocaram a morte em vida, em memória o esquecimento,
e o inferno em glória. Tomou a Academia o nome que significa morte para ser
imortal; tomou o nome que apaga a memória para se fazer memorável; tomou o
nome, que simboliza inferno para ficar gloriosa (CASTELLO, 1969, p. 9).
Ademais, foi levado pelo
impulso da criação da Academia Real de História Portuguesa e com o intuito de
estudar a história brasílica e promover certames literários que Vasco Fernandes
César de Meneses, vice-rei do Estado do Brasil, determinou instituir uma
Academia na cidade da Bahia, a fim de tornar conhecidos os talentos que se
encontravam obscuros porque estavam imersos nestas terras do Ocidente por falta
de adequada "publicação" de seus exercícios literários. Desse modo,
chamou por cartas o Reverendo Padre Soares da Franca, o Desembargador Caetano
de Brito Figueiredo, o Desembargador Luís de Siqueira da Gama, o Doutor Inácio
Barbosa Machado, o Coronel Sebastião da Rocha Pita, o capitão João de Brito
Lima e José da Cunha Cardoso, aos quais comunicou, na tarde de 7 de março de
1724, a sua vontade de erigir uma Academia, ficando, pois, unânimes os sete
convocados em instituí-la sob essa quase que real tutela, e, assim,
inaugurou-se a Academia Brasílica dos Esquecidos. Os textos lidos em atos
acadêmicos, tais como atas, orações, poemas, entre outros, foram coligidos por
José Aderaldo Castello em cinco volumes, os quais se intitulam O Movimento Academicista no Brasil – 1641 –
1820/22. Desses textos, faremos breves comentários sobre a “Oração” de
abertura da Academia.
Dos acadêmicos, José da Cunha
Cardoso foi nomeado Secretário da Academia Brasílica dos Esquecidos e designado
a compor e proferir a “Oração” inaugural (discurso feito em louvor à fundação
da Academia, ao seu fundador e aos acadêmicos) na primeira conferência da
Academia na tarde do dia 23 de abril de 1724. Na “Oração”, que diz respeito ao
evento da inauguração da Academia dos Esquecidos pelo presidente vice-rei do
Brasil Vasco Fernandes César de Meneses, o dia 7 de março de 1724 não é um dia
comum na Colônia portuguesa, mas um dia que recebe uma qualificação distinta do
tempo comunal por fundar um tempo distinto, uma vez que está em voga um
acontecimento novo que rompe com a univocidade temporal que havia até então,
pois o dia, mês e ano supracitados referem um acontecimento descomunal, que não
ocorre todos os dias ou frequentemente: a fundação da Academia dos Esquecidos,
que inaugura um novo tempo, que trará grandes mudanças para a Bahia e a América
portuguesa, bem como para a Corte portuguesa:
Decretou o nosso Excelentíssimo, e
Augustíssimo César coroar as armas, que professa, com as Letras, que autoriza,
trasladando na melhor cidade da América a mais célebre da Grécia, e instituindo
uma palestra literária, de quem fôsse protótipo o Ateneu; e como pelo nosso
grande descuido, ou pequena reflexão nos escondiam as sombras do esquecimento a
muitos sujeitos raros, com que a decretada Academia se podia enobrecer, quis o
Soberano autor dêste novo teatro da erudição, fosse eu o antesignano (sic), que
fazendo estandarte da voz publicasse o destêrro daquelas sombras, que
desvaneceu, expondo aos olhos do mundo o esplendor desta Academia, que
instituiu (CASTELLO, 1969, p. 7).
Nesse fragmento, verifica-se a
autorização para a fundação da Academia Brasílica dos Esquecidos na cidade da
Bahia - considerada como uma imitação, na América, nova Atenas, da mais célebre
academia da Grécia, o Ateneu, templo dedicado ao culto da deusa Atena, local de
reunião de filósofos e oradores da época – torna patente em primeiro lugar a
subordinação dos letrados ao aparelho do Estado português, e, em segundo lugar,
a importância das Letras humanas para as instituições civis da Monarquia. Nessa
“Oração”, Vasco Fernandes César de Meneses é predicado “Excelentíssimo” e “Augustíssimo”,
pois se considera nessa dupla predicação seus dois mais significativos
atributos, que fazem referência ao binômio “armas” e “letras”.
José da Cunha Cardoso deixa
evidente também como a Bahia e a Academia Brasílica dos Esquecidos comportam
esferas que também são reflexo da metrópole lusa. As relações estabelecidas
entre a corte lusitana e os representantes do Estado colonial possibilitaram
que a Bahia pudesse se desenvolver em vários aspectos. No entanto, não foi só a
Bahia que obteve vantagens, mas a própria Coroa, uma vez que os representantes
desta, quando na colônia, estabeleciam relações com elites locais, favorecendo
em vário grau a metrópole lusitana. Assim, os homens de armas e letras que se
estabeleceram na Bahia do final do século XVII e início do século XVIII foram
figuras importantes para a expansão da colônia e, consequentemente, para a
corte em Portugal. E, mais uma vez, fica claro como a ação do vice-rei, o
“ínclito” Vasco Fernandes César de Meneses, na Bahia, transpõe seus
ilustríssimos feitos de Oriente para o Ocidente, integrando pela ação os
extremos de um amplíssimo Portugal que urge manter íntegro pela espada e pela
palavra.
Além disso, José da Cunha
Cardoso, na “Oração”, enaltece o vice-rei Vasco Fernandes César de Meneses, de
modo que toda ela é composta pelo louvor feito a ele, o vice-rei, sempre
afirmando que este é “Sol” do Ocidente, ou seja, do Estado do Brasil, mais a
oeste frente a Portugal, cujo sol é sem dúvida alguma o rei. Isso se deve ao
fato de o vice-rei ter instituído a fundação da Academia Brasílica dos
Esquecidos, que tanto trouxe benefícios. Kantor (2004, p. 93) afirma que, para
Vasco Fernandes César de Meneses, “o empreendimento acadêmico oferecia dupla
vantagem: aumentava o seu prestígio simbólico na Corte lisboeta e aprofundava
os seus laços com as elites locais”. Ademais, a administração de Vasco
Fernandes César de Meneses se caracterizou pela fundação de vilas e defesa de
interesses locais, como o assevera Kantor (2004, p. 93): “Durante seu governo
[do vice-rei] na Bahia foram erigidas as vilas do Recôncavo e concedidos novos
privilégios camerários a Salvador, aliás, sua atuação se caracterizou pela
defesa dos interesses dos negociantes baianos”.
Cabe dizer ainda que a poesia
elogiosa produzida pelos acadêmicos nas conferências da Academia Brasílica dos
Esquecidos se dava a partir da matéria da “Oração”, pois esta é o assunto
primordial para se compor os discursos de louvor das produções poéticas
subsequentes. Desse modo, como a “Oração” inaugural teve como matéria a
fundação da Academia dos Esquecidos, bem como o elogio ao vice-rei por esse
feito, consequentemente os poemas produzidos posteriormente trataram desse
mesmo assunto. Além disso, as Orações,
poemas e demais discursos produzidos nas sessões acadêmicas são imprescindíveis
para comemorar e perenizar a figura do vice-rei, e, consequentemente, da
Academia Brasílica dos Esquecidos e dos acadêmicos integrantes dela.
No Tomo I do Volume I de O Movimento Academicista no Brasil –
1641-1820/22, evidenciamos como é diversa a produção poética, uma vez que
se encontra uma gama de sonetos, epigramas, décimas, odes, entre outros
gêneros. Desse modo, percebemos como a poesia é um uso da língua regrado pela
arte, e podemos inferir que é por meio dela que se lê e se perpetuam os grandes
feitos de homens participantes da monarquia do Estado português na Bahia do
final do século XVII e início do XVIII, bem como em Portugal.
E,
não é por acaso, que esses feitos são de homens que participam da política e da
elite colonial, como é o caso de Vasco Fernandes César de Meneses e dos demais
acadêmicos da agremiação, uma vez que esses homens de Letras faziam parte de
uma hierarquia e possuíam atributos que agradavam ao rei, não somente no seu
fazer enquanto participantes do Estado, mas também no seu fazer letrado. E, se
agradavam ao rei, certamente obravam de modo a constituir uma memória, tanto
através de escritos, quanto por meio da poesia, criando, pois, uma memória de
seus feitos e da sua poesia:
Se os feitos são condição para a
produção de uma memória por meio dos escritos, sendo a memória em última
instância identificada com os próprios escritos, a produção poética é gesta que, por ser escrita, é ao mesmo
tempo memória que se completa no que diz respeito à perpetuação do poeta por
meio da produção da vita, espécie
laudatória que remete ao modelo panegirical (MOREIRA, 2005, p. 79).
Assim sendo, a poesia presente na Academia
Brasílica dos Esquecidos, além de imortalizar aquele que a produziu, também
imortaliza a memória daqueles que são a sua matéria, porém sua finalidade maior
é essa última.
Portanto,
entendemos que, por um lado, a Academia Brasílica dos Esquecidos teve uma
importante influência para o desenvolvimento cultural, econômico e político
para a Bahia do Setecentos. Por outro, possibilitou a produção literária de
homens de letras, participantes da agremiação, desse período, de modo a
eternizar aquilo que estava imerso em seu título de esquecimento, perenizando a
memória não somente da Academia, mas daqueles que fizeram parte dela e dos seus
grandes feitos e de todo o seu contexto de inserção.
Referências utilizadas
BOXXER,
Charles R. A Idade de Ouro no Brasil:
dores de crescimento de uma sociedade colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2000.
CASTELLO,
João Aderaldo. O Movimento Academicista
no Brasil – 1641-1820/22. São Paulo: Humanitas Editorial; Edusp; Fapesp,
2007.
KANTOR,
Íris. Esquecidos e renascidos: historiografia
acadêmica luso-americana, 1724-1759. São Paulo: Hucitec; Salvador: Centro de
Estudos Baianos/UFBA, 2004.
MOREIRA,
Marcello. “As armas e os barões assinalados: poesia laudatória e política em
Camões II”. In: Revista Camoniana: revista
de estudos de Literatura Portuguesa do Núcleo de Estudos Luso-Brasileiros da
Universidade do Sagrado Coração. Bauru, SP: Edusc, Vol. 17, p. 77-104, 2005.
PEDROSA,
Fábio Mendonça. A Academia Brasílica dos Esquecidos e a História Natural da
Nova Lusitânia. Revista da SBHC, Rio
de Janeiro, n. 1, p. 21-28, 2003.
Nota
ao texto
Texto retirado e
revisado da dissertação de mestrado “Sol Oriens
in occiduo: memória e louvor a
Vasco Fernandes César de Meneses na Academia Brasílica dos Esquecidos”,
defendida na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia em 2016, que pode ser
acessada em: http://www2.uesb.br/ppg/ppgmls/wp-content/uploads/2017/06/Dissert.-Leda-Souza-Bastos.pdf
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